quinta-feira, 30 de maio de 2019

Ensaio entre o íntimo e o privado


Quantas vezes se afirma que se invadem privacidades quando na verdade é de intimidades de que se fala, ou vice-versa.

Ambas as palavras têm tido um percurso que as torna quase um casal no léxico habitual. Mas na verdade não são um casal, são gémeas heterozigóticas, pois nascem de origens diferentes, com aspetos e significados diferentes, mas mesmo assim muitas vezes confundidas.

A Privacidade original do Latim privatus, que significa “pertencente a si mesmo, colocado à parte, fora do coletivo ou grupo”, particípio passado de privare, “retirar de, separar” e de privus, “próprio, de si mesmo, individual”.

Já a intimidade tem origem no Latim intimus, um superlativo de in que significa “em, dentro”. A intimidade refere-se, pois, à Coisa que pertence ao interior da pessoa, que ela não reparte a não ser que assim queira.

A privacidade é aquilo que a elas pertence e sobre a qual elas perdem controlo de partilha. Por exemplo uma roupa é algo que pertence à pessoa, mas todos a podem ver.

É, pois, decisão do próprio se torna a intimidade em algo privado. Mas alheiamente, a invasão da intimidade tornando-a pública, sendo privada, permite a quem o faz tornar-se inglorioso em duas dimensões: pela pretensa publicidade do íntimo (pretensa porque o íntimo sendo interno jamais pode ser interpretado por quem não é o próprio e pode por isso ser mal partilhada) e pela pretensão de gerir o recém tornado privado, pois mesmo deixando de ser íntimo, não deixa de pertencer ao próprio e por isso só ele decide se a partilha ou não.

A ponte entre o íntimo e o privado é ténue e é potencialmente abalada por ventos de calúnia e invasão. Mas no limite, nenhuma fonte de ventania pode jamais romper as cordas que sustentam a ponte: a Dignidade (de quem onera a ponte) e a Justiça, corda invisível, mas firme que nos permite confiar na vida em sociedade.